quinta-feira, dezembro 29, 2005

Das sínteses originais (3): intimidade

Os moradores apercebem-se de numerosos barulhos da vizinhança, que vão dos clamores habituais das festas de aniversário aos sons das práticas de rotina qualificadas. Os nossos interlocutores mencionam, por exemplo, o som dos aparelhos de rádio, o choro nocturno dos bebés, as tosses, os sapatos que se tiram ao deitar, as crianças que correm nas escadas ou nos quartos, as teclas do piano e os risos ou conversas em voz mais alta. No quarto do casal, os ruídos que chegam de casa do vizinho podem ser por vezes chocantes: "Até os ouvimos urinar no bacio; é insuportável. Terrível"; ou inquietantes: "Ouço-os quando brigam na cama. Uma pessoa pode estar com vontade de ler, ou outra de dormir. É muito incómodo ouvir estes barulhos quando se está deitado, por isso mudei a cama de sítio"... "Gosto de ler na cama e tenho o ouvido apurado, por isso incomoda-me ouvi-los falar"; ou um tanto inibidor: "Às vezes ouvimo-los dizer coisas do seu foro íntimo, como acontece, por exemplo, quando o marido diz à mulher que ela está com os pés frios. E isso faz-nos sentir que temos de dizer em segredo tudo o que for um pouco mais íntimo."


Living in Towns (1953) de Leo Kuper e outros

citado por Erving Goffman in A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias

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