domingo, novembro 27, 2005

Sintoma (5): o pequeno harmónio


Punch Drunk Love de Paul Thomas Anderson

sexta-feira, novembro 25, 2005

Memórias poéticas (5)

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

quarta-feira, novembro 23, 2005

Das despedidas

Tudo tem um timing poético: até as despedidas.
Os mais belos poemas são aqueles que nunca quisemos escrever:
não por falta de talento (quem não se julga competente para amar?);
talvez por falta de coragem (quem ousa enfrentar a tragicidade amorosa?).
A grandeza das despedidas é o maior dos poemas.
Por isso, amanhã quero ser o melhor dos poetas.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Sintoma (4): da (im)possibilidade comunicativa


3 Iron de Kim Ki-Duk

quarta-feira, novembro 16, 2005

Personagens inventadas.

Mr. Alzheimer sai à rua todas as manhãs para ir trabalhar, apanha o comboio até a estação sem nome. Até chegar ao trabalho ainda anda um bom bocado. Ele faz questão de passar pelos mesmos sítios todos os dias. À saída da estação de comboio está o jovem, desiludido, encostado a uma esquina à espera de alguém que não quer aparecer. Na praça mais a diante, em cima de um banco, está o revolucionário a espalhar os bilhetes de páginas em branco, ali mesmo ao lado está o circo do palhaço e da trapezista. O cabaret que funcionou durante a noite está ainda a por arrumar, já só falta sair o pianista que adormeceu em cima do piano depois das três garrafas de absinto, o programa da noite seguinte estava a ser mudado. Por último, ele passa pelo salão de baile abandonado de Madame Gabrielle, que agora é habitado por sem-abrigos.
Mr. Alzheimer trabalha na loja de brinquedos da cidade, é ele que faz os cavalos de madeira para os miudos brincarem. Ele lembra-se de cada expressão, de cada imagem que todos os dias o invadem. Ele fez o palhaço e trapezista em madeira e uma senhora com um ar mais ou menos francês que podia muito bem ser Madame Gabrielle.
No fim do dia, todos estão a descansar para iniciar a noite e é nesse momento que Mr. Alzheimer começa a divagar pelo mundo dos seus brinquedos e das personagens inventadas.

domingo, novembro 13, 2005

Fragmentus Suburbia (7): o bilhete

A vida sobre carris.
A morte em carrinhas funerárias.

A primeira é levada.
A segunda, carregada.
«E ele ainda pergunta se tenho bilhete

Fragmentus Suburbia (6): oportunidade

Ficar a ver comboios passar.
Uma vez lá dentro, ficar a ver passar a oportunidade de o ter perdido.
Ficar a ver-se passar.
Ficar a vê-la passar.
Perder a oportunidade perdida.
Perder-se.
Perdê-la (?)

segunda-feira, novembro 07, 2005

Lisbon revisited.


Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhe a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu – o mesmo da minha infância –
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Álvaro de Campos

O Impertinente (3): o «caso» Nuno Ribeiro

Desde que tinha Ontologia ninguém lhe punha a vista em cima.

sábado, novembro 05, 2005

Das sínteses originais: a morte do «artista»

"Sabendo que os espectadores são capazes de ficar com uma má impressão a seu respeito, o indivíduo poderá sentir vergonha de um qualquer acto bem intencionado e honesto só pelo facto de o contexto do seu desempenho dar lugar a falsas impressões, que são más. Ao sentir essa vergonha injustificada, sentirá talvez que os seus sentimentos estão a ser observados; sentindo-se assim sob observação, poderá sentir que a sua aparência confirma as falsas conclusões formadas a seu respeito. Poderá então agravar a precaridade da sua posição empenhando-se em manobras defensivas, como as que empregaria caso fosse realmente culpado. Assim é possível que cada um de nós se transforme para si próprio, por momentos, na pior pessoa que podemos imaginar que os outros sejam capazes de imaginar que somos."
Erving Goffman
in A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias

sexta-feira, novembro 04, 2005

Fechado para obras: tempo e percepção

Ontem foi como se tivesse sido.
Amanhã será como se pudesse haver (?)

te espero.

terça-feira, novembro 01, 2005

Nostálgicos sem cura.

A noite nem prometia muito, afinal era só um concerto de um gajo que eu já tinha visto, mas ele continuava com tudo o que eu tinha gostado na primeira vez que o vi. Foi uma noite inteira de recordações, de memórias sem retorno. Mergulhamos pela noite, começando pelo subtil Antony e acabando em completa Al-gazarra por aquele Irish Pub de outras tantas recordações. Tudo demasiado depressa, como devia de ser sempre para não doer. A noite, a noite foi dominada pelos nostálgicos sem cura.