domingo, janeiro 22, 2006

O Impertinente (6): acto cívico

As votações democráticas prestam-se à encenação da vivência comunitária.
Veja-se, por exemplo, o caso de um rapaz profundamente imbuído do dever cívico, novamente lançado às feras em pleno recreio escolar.
De um momento para o outro vê-se cercado por figuras inesperadas que transportam consigo temíveis exigências performativas.
Após alguns instantes de mútua inquirição, compreendem que afinal vivem todos nas mesmas ruas, na mesma localidade, no mesmo microcosmos suburbano.
Gera-se uma familiaridade distanciada, impõe-se o menu do dia sem primar pela subtileza: "Então, votou bem?".

Entretanto, ela, do lado de lá, murmura-lhe um nome.
E sorri.

Mais tarde, em pleno acto cívico, a angústia eclode, imparável: "Como era mesmo o nome dela?".
Sofrendo pela ausência do substantivo próprio dela, mostrou-se incapaz de acertar no substantivo presidencial.
Quando se preparava para recolher os certificados de substância, a senhora da mesa pergunta-lhe: "Substantivo próprio, é o senhor?"
E foi então que ele se denunciou: "Não, sou o outro. Sou sempre o outro."

1 comentário:

Gil disse...

(...)
Tu
Ele
Nos
Vos
Eles

Sempre a mesma merda!
Entao e Eu?