sexta-feira, agosto 26, 2005

O grosso dicionário de páginas em branco

O homem lançava ao ar folhetos que pregavam a revolução. No meio daquela pequena praça abandonada nos recônditos da cidade o homem empuleira-se num banco, pregando a revolução através de um megafone:
-Revolução! Revolução! Façamos uma revolução!
Na praça não passa ninguém, na praça só se ouve a voz do revolucionário e os pombos a picarem a folhas que esvoassam.
Uma mulher passa pela praça juntamente com a sua filha, a menina aproxima-se do homem, o homem vê-a e desce do banco, fitando a menina que trajava um casaco vermelho e comprido:
-Sabes o que é uma revolução?
A pequena abana a cabeça, indicando que não sabia o que era.
-Então, decora essa palavra, fica com isto. Esta folha faz parte de um dicionário e todas aquelas que tu vês aí caidas no chão também fazem parte dele. Todas elas vão ser recolhidas pelos limpadores de rua, mas essa fica só para ti.
De súbito, algumas lágrimas chegam aos olhos do revolucionário.
-Sempre que olhares para essa folha, lembra-te do que eu aqui te contei.
O homem virou costas, pegou no banco e foi-se embora já sem as folhas do dicionário. A menina ficou estupefacta a observar a folha em branco enquanto se dirigia à mãe. Em breve, também elas sairiam daquela praça escura e mal lavada.
A praça fica vazia tal como o revolucionário a havia encontrado, o sítio ideal para pregar uma revolução na qual ninguém acredita. Uma praça à espera de ser limpa pelos homens que limpam as ruas.
A noite chega, na praça apenas permanece a merda de pombo e as folhas soltas de um grosso dicionário de páginas em branco, pregando a revolução.

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