quarta-feira, janeiro 17, 2007

Os dias de amanhã

Hoje sou só eu e os trigos
diamante pedra em cristal pistola a assobiar

Se fosse sempre só eu
e tantos em mim e tanta emoção em tudo

Se eu fosse só poucos passos
em labirinto desmanchado
seria encontrada facilmente

Se eu afogasse na corrida
não seria
não seria apenas como o esforço que ser eu requer
não seria a torrente na brisa
e penas de pássaro a disfarçar o crime

Espero que o mundo não me acabe na mão

Como corpo com torneiras
e ponteiro partido a apontar para a hora
vagueio fora de mim
sempre em direcção errada
como um peito na mão

Danço demasiado no deserto
Por isso, desapareço
e espaireço dentro do rio
onde tenho quatro braços para ser mais rápida
e ir com os barcos
e dar volta ao mundo

Deixas-me sempre sozinha na estação
Por isso, fico sempre a brincar com o cão
e, juntos, coçamos as nossas pulgas

Espero que o teu comboio parta
para não achares mal que vá beber com os marinheiros às riscas
e que parta um copo antes de comprar o bilhete

Colo-me sempre ao poste enquanto tu já descansas
Sempre morei longe e tenho de ir para longe, todos os dias

Moro num sítio feio com bela gente
que percebe o tempo
que, para além da beleza, percebe a fealdade
e percebe a margem das coisas
a separação união

Moro em mim onde quer que esteja
sem o cobertor e com moeda no bolso

Afinal, aprendi a vaguear sozinha
Afinal, suo muito das mãos para conseguir agarrar sempre o cabo

E, quando volto para casa, à noite,
posso chorar no comboio porque
sei que não me vão roubar...o coração.

2 comentários:

Joana Guerra disse...

Para mim, é quase demasiado delicioso ler este tipo de elogio! Também parece-me que tu sentes bonito...e obrigado!

Maurício Coeli disse...

Singular escrita. Gostei bastante.