domingo, julho 16, 2006

Ainda há madames!

Histórias, histórias, são precisas histórias. A M;adame Berra não passa sem o chá e sem os biscotinhos e, é por vezes, impertinente. Mas que se vai fazer àquele riso irritante? A madame risse por tudo e por nada e abre bem a boca para que se veja o dente dourado: herança de família. Só é melhor não dar o bolo de chocolate porque é sempre uma sessão de cuspir e apanhar do chão e pedir desculpas discretas. Só os biscoitinhos, que até ficam bem em cima da mesa. Faz um arranjo elegante. Madame Berra trará uma nova história e a sua cara gorda vai contorcer-se de expressões maquiavélicas e horrendas, só que ela não se dá conta de tal. As bochechas rosadas enaltecem o seu rosto rechonchudo e parece que ela vai asfixiar dentro daquele colarinho bem passado e bem apertado. Espero o momento do ataque, quando a senhora cair da cadeira para trás e as suas pernas ficarem rígidas e fazerem aquele movimento cómico em que se cai duro que nem uma pedra no chão. Madame Berra grita, às vezes. Mas, para ela, não são gritos. Lá vinha uma história. Histórias sobre nada. Afinal, nem sei bem o que ela contava, mas ouvi-a. Aliás, se calhar, nunca ouvi uma história, pois se me pedissem para reproduzir uma das centenas, não me lembraria de nenhuma. Mas sei que ela contava muitas histórias. E via os pedaços de biscoito a esvoaçarem no ar e a cairem em cima do gato que, seguidamente, desviava-se irritado. Também ele já sabia como era.
O seu marido enchia-se de tremores na cabeça. Ficava estarrecido na cadeira e sorvia o chá. É um homem que mexe o bigode de um lado para o outro de modo enérgico. Parece que faz cálculos complicadíssimos na sua cabeça e que aquele tique é uma reacção neuro-cerebral. Comporta-se elegantemente, mas a sua conduta elevada, de todas as vezes, vai amolecendo em cada encontro. Vai-se desleixando nas falas e até consegue ser satírico e surpreender os conversadores. Sempre achei que havia ali um génio a ferver. Pode ser que não haja. Mas algo está lá e, ainda por cima, ele ainda consegue ouvir as histórias de Madame Berra. Ou, se calhar, como eu, ele também nunca as ouviu. Mas acho que sim, que já ouviu, pois eles já se amaram.
Madame Berra, é preciso que encha esta sala com o seu estomâgo que parece estar grávido de grandes maçãs e venha contar histórias. Brilhantina não se importa com o seu perfume, já não mais. A Brilhantina também tem os seus vestidos vermelhos e os saltos altos e até tem um vestido que é às bolas vermelhas sobre fundo branco. Disse-me para ter cuidado com as mulheres que pintam os lábios de vermelho pois era para disfarçar as marcas do sangue que chupam. Assustei-me com aquele facto que desconhecia na minha vida. Mulheres com lábios vermelhos, mas que cheiram bem tornaram-se um tabu para mim. Qualquer dia peço a uma para me sugar e acaba-se logo com isto. Brilhantina é maliciosa e não tem uma paciência muito bem comportada. Também ela usa batôn vermelho e daí eu nunca a chateio, mas sei que a mim ela não me faz mal. Mas temo pela Madame Berra. Aliás, já se atrasou. Mas como? A Madame nunca se atrasa.

1 comentário:

Joana Guerra disse...

aqui...já não se berra?