Ouves o comboio a passar? O chão estremece porque a linha fica mesmo encostada ao prédio. Por baixo fica um teatro enfiado no subsolo. Os projectores estão cheios de pó, já não iluminam nada, nem sequer as tábuas podres do palco. Uma vez bati com o pé num deles, fiquei com o dedo pequeno inchado durante semanas. Tu deste risadas enormes, dás sempre.
Nessa altura ainda me descalçava, tinha essa coragem. Agora tenho medo que os meus pés fiquem cheios de pó. Tenho medo de perder o brilho e ficar cozido debaixo deste Sol embaciado.
Agora estou a estalar os dedos para fazer tempo. Quero que te vás embora com o pó, por isso vou sacudindo o pouco que já tenho nas mãos.
Cada vez que o comboio passa e faz tremer a casa, vou ficando com mais pó sobre o meu corpo.
Não é que me importe, mas tenho medo de ficar cego.
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