domingo, abril 30, 2006

O Extravagante (5)


Ele queria pôr um nariz vermelho para se sentir um autêntico palhaço, mas só Lhe deixavam usar o preto e o branco e se pudesse evitar os cinzentos também não seria mau.
Ele achava que era mesmo preciso toda aquele exagero de cores para se sentir um palhaço, mas Ele não sabia que o seu palhaço era um Extravagante sem travões.
Ele só agora descobriu que para conhecer o seu palhaço, só precisa de tirar o pé do travão. Foi aí que Ele descobriu que o Seu palhaço não tinha nariz vermelho e nem sequer era a cores.

sexta-feira, abril 28, 2006

Lobo

"É preciso que o escritor se deixe apanhar pelo livro como se fosse uma doença".

Contou que a mãe o ensinou a ler quando, com quatro anos, esteve de cama com turbeculose. Lia os livros de Flash Gordon e Mandrake e os romances de cordel de uma empregada doméstica.
O avô, um oficial de cavalaria, achava que os livros eram coisas de maricas.
Outro avô, que vivia em Nelas, apenas lia os obituários.
Lobo Antunes imita então o avô, como se estivesse a ler o mesmo jornal: "Ele dizia: 'Que idiota, morreu aos 42 anos. Que tonto, morreu aos 51 anos.' Esse era o seu triunfo, ser mais velho que aqueles que morriam.
Eu comecei a escrever os obituários do Flash Gordon e do Rato Mickey, estas foram as minhas primeiras influências literárias".
in DN, 28/04/2006

..
.
Quem me dera la chegar aonde este homem chegou sem cair num daqueles obituarios.
Diria de mim, "Que idiota, perdeu-se de si aos 20 e poucos anos"

quinta-feira, abril 27, 2006

Terrorismo no Metropolitano de Lisboa!!!

James Blunt voltou a ser o artista da semana...

Fragmentus Suburbia (12): a ilusão da continuidade

Hoje, na 1ª página de um diário suburbano, coabitam os seguintes títulos:
1) "1400 Homicidas ao Volante"
2) "Menos Suicídios"
Na estratégia de um jornal gratuito, não basta dar a notícia: é preciso torná-la apetecível e, no mesmo instante, legítima, necessária, natural.
O isolamento da experiência reproduz-se todos os dias, quando o transeunte recebe nas mãos a ilusão da continuidade:
"GRÁTIS".

Descubra o que esta errado :

Confrontado com a afirmação do presidente do BCP, de que a administração do BPI terá reagido com emoção, Ulrich afirma "é preciso ter muita lata".

terça-feira, abril 25, 2006

Liberdade, liberdade!

"Em 50 anos a poesia não saiu à rua,
em Portugal. E era urgente.
Em 50 anos a solidão foi palavra de ordem.
E o céu era tão azul, afinal.
Como é possivel, 50 anos?"

Rui Mário

domingo, abril 23, 2006

3)

Vendo Canon EOS 350D + 18-55mm + 55-200mm + grip BG-E3.
"Traga mais vida à sua fotografia."

(2)

Ainda bem que tenho fotografias: senão morria.

(1)

Ainda bem que não tenho fotografias: senão morria.

O Impertinente (21): fora de jogo

Não era particularmente vencedor ou perdedor.
Em boa verdade, nem sequer era jogador.
No entanto, ganhava sempre por falta de comparência:
Dele próprio.

Democracia das Emoções (13): o trabalho conjugal de desconjugalização

Ela encolhe os ombros.
Ele tapa a cara com as mãos.

"Nós não somos um casal" - dizem eles em uníssono.

Depois sorriram para a câmara.

O Impertinente (20): fotogenérico

Ele disse: "Eu não sou fotogénico. Sou mais do tipo fotogenérico."

Depois baixaram-lhe o preço.

Última mensagem de uma Vaca aos seu vitelo mais novo antes de se tornar bife.

Há erva e erva.

Há a que dá pra pensar como os artistas, há a que dá para pensar como os filósofos, há a que dá para pensar como os cientistas ou como os ignorantes. Há a que dá para adormecer como os bêbedos, sonhar acordado como os loucos. hH a que dá para pensar na vida ou aquela que dá para esquecer da vida, há aquela que não te diz nada e aquela que te faz dizer tudo, aquela que te deixa perdido em ti ou com os olhos postos no mundo. Há erva que nos apaixona ainda mais ou que nos deixa sobrevoar pela rotina. Há erva fotográfica, há erva videográfica, há erva literária e musical. Há erva para a cidade, erva para a paisagem, erva para muitos amigos, erva para só nós quatro. Há erva de nomes mirabolantes, de lugares distante. Há erva com mais ou menos cheiro, mais ou menos rápida, mais ou menos duradoura.
Há erva azul, amarela, cinzenta, vermelha, castanha, branca, preta.
Há erva e erva.
Mas a minha preferida é a verde.

É preciso!

É preciso dizer às crianças que o Pinóquio e a Alice existem.

Depois de ler o mestre Almada.

Cada um pegava no seu aparo para começar a desenhar, o copo com àgua tingiu-se de preto, a folha ficou molhada e o aparo, afiado e crespo, jorrou tinta em cima da folha. A folha, fragilizada pela água, rasgou-se com a força com que cada um carregava no aparo. Cada um modou de folha para recomeçar o desenho.
Foi assim que cada um chegou a mestre.

sexta-feira, abril 21, 2006

[pausa]


Butterfly Affect by Dale Wicks

PS: Fui procurar borboletas. Até já.

Punch Drunk Love (revisited)


quinta-feira, abril 20, 2006

Estórias d' Anjos

Foto de Carlos Ramos

"Um Anjo conheci, vivia longe mas perto, habitava aquele lugar vazio, o lugar da alma e por isso a alma era tudo o que havia no mundo. Era paz e árvore e luz eléctrica e flor. Era céu e terra e mar. Era palavra."

Rui Mário

segunda-feira, abril 17, 2006

O Extravagante (4)

Foto de João Vicente
Ele sabe que o que está na moda é o absurdo e o anacrónico. Tudo está fora do seu sítio, e fica bem. Fica bem dizer que se gosta de bandas desenhadas absurdas, que se gosta de artistas absurdos. Ele sabe isso e quer mudar, mas mudar modas não é para todos, e Ele sabe que é difícil fazer com que as coisas tenham sentido: "Cada coisa no seu lugar"-pensou Ele.
É que para Ele, ser absurdo é demasiado fácil. Ele foi dormir com este pensamento na cabeça, apaga a luz do quarto e deita-se na cama para acordar no dia seguinte, antes do amanhecer.
Ah, é verdade! Alguém que apague a luz da cozinha.

Fechado para obras (3): sentido prático e dissolução biográfica

"MANUAL PRÁTICO DO SENTIDO PRÁTICO DO MUNDO".

À medida que ia lendo, as páginas eram consumidas pelo sentido prático da leitura: quando colocou o livro na estante só sobrava a capa; quando voltou a pegar na capa só sobrava o título; quando releu novamente o título, a biblioteca de uma vida inteira tinha desaparecido.

Democracia das Emoções (12): fazer história

Ele decidiu ignorar a história anterior ao encontro de ambos.
Ela decidiu acreditar no momento histórico do encontro de ambos.

Fazer amor é fazer história.

sábado, abril 15, 2006

Sintoma (16): paliativos


A problemática do trânsito intestinal ocupa um lugar cada vez mais importante no espaço mediático: sucedem-se os anúncios televisivos com promessas de alívio e satisfação imediatos.

Tal como para o trânsito rodoviário, chegará o tempo das rubricas matinais para o trânsito intestinal: todos os dias um convidado diferente e um funcionamento intestinal único.
Brevemente, os debates da nação serão substituídos por seminários públicos de gastrenterologia, os profissionais do sector serão premiados em galas anuais, a indústria farmacêutica tomará conta do mundo a partir das insuficiências intestinais de cada consumidor.
Num futuro próximo, ninguém conseguirá escapar à hegemonia dos paliativos intestinais: até os mais desfavorecidos terão direito a umas drageias made in China.

Mas, apesar de tudo, ficará a faltar um derradeiro passo para o fim da história: quando a produção de paliativos intestinais for definitivamente convertida em produção de paliativos existenciais.
Haverá estômago que resista?

quinta-feira, abril 13, 2006

O Extravagante (3)

Ele estava sentado numa namoradeira, num daqueles sítios antigos com um palácio antigo mesmo ao lado. Enquanto ouvia as máquinas fotográficas dos turistas a disparar, apontava as ideias que lhe vinham à cabeça num daqueles cadernos cheio de folhas brancas.
Uma mulher estrangeira pede-Lhe que tire uma foto com o palácio a fazer de cenário. Quando Ele se vira para a namoradeira onde estava sentado vê que agora esta está ocupada por dois namorados.
Chateado com toda aquela falta de sorte e inspiração, Ele atira o seu caderno ao ar que se desfaz em mil folhas soltas. Aquele par de namorados lembrou-Lhe de que havia uma Revolução sem causa para preparar.

O Impertinente (19): medo

Morria de medo de ficar sem nada para dizer.

Quando acordou disseram-lhe que nunca esteve vivo.

terça-feira, abril 11, 2006

O Impertinente (18): inadaptado

Embora ele esteja particularmente atento às letras minúsculas do amor...

...no pós-romantismo só existem slogans em LETRAS GARRAFAIS.

segunda-feira, abril 10, 2006

O Impertinente (17): negação e afirmação

Ele disse: "Eu não sou actor."

Depois ouviram-se aplausos.

sábado, abril 08, 2006

Miúdos


Daremo Shiranai (Ninguém Sabe) de Hirokazu Kore-eda

quarta-feira, abril 05, 2006

Democracia das Emoções (11): encontro

Ele passou os últimos anos a fugir de mulheres grávidas.
Ela passou os últimos meses à procura de um pai.

Ontem encontraram-se: contra todas as possibilidades objectivas.

segunda-feira, abril 03, 2006

Democracia das Emoções (10): consciência e acção

Ela disse: "Existe entre nós um fosso intransponível."

Depois tirou-lhe a gravata.

domingo, abril 02, 2006

Sintoma (15): condição pós-romântica e estatuto das metáforas

A condição pós-romântica pode ser definida a partir do estatuto das metáforas.

Durante algum tempo, a metáfora do jogo era utilizada para definir o envolvimento amoroso.
Hoje, a metáfora do amor é utilizada para definir o jogo, a performance, e a estratégia.

Afirmar que o amor é um jogo equivale a cair num lugar comum.
Mais apropriada é a seguinte afirmação: não há jogador que despreze a componente emocional.

O amor só se tornou num jogo na medida em que a contaminação metafórica venceu o princípio da realidade.
Por outras palavras, a metáfora converteu a realidade.

Chegará o tempo em que a realidade deixará de ser metáfora.
Chegará o tempo em que os amantes deixarão de ser jogadores.

Mas, até lá, já muito se terá jogado.
E muito se terá perdido.
Para sempre?

sábado, abril 01, 2006

Sintoma (14): disfunção eréctil


Embora para alguns seja parte da solução, na propaganda médica contemporânea, a disfunção eréctil é parte do problema.
Quando o corpo deixa de estar à altura daquilo que lhe é exigido, tanto o diagnóstico como o tratamento se impõem com as garantias científicas do necessário e do incontornável.
Disfunção eréctil e medicação compulsiva são duas componentes do mesmo sistema de controlo social: a colonização médica-científica de todos os parâmetros da existência humana.

Por outro lado, tanto o diagnóstico como o tratamento parecem evocar aquilo que julgávamos em vias de extinção: a sexualidade falocêntrica e a ditadura das emoções.
A cumpulsividade sexual é reactualizada através dos comprimidos azuis.
E estes são o suporte material da calamidade pós-romântica: quando o princípio da performatividade unidimensional se sobrepõe a tudo o resto.

Todos os caminhos vão dar ao falo: em nome da técnica, da ciência, e de um certo estilo de vida, somos capazes de perpetuar o vazio, o absurdo, o inumano.
Haverá sexualidade que resista?