Desço a rua até ao fim e entro na estação para apanhar o comboio.
No comboio encontro um cego de muletas que me pede uma esmola: “peço desculpa por estar a incomodá-lo, mas o senhor tem uma moeda que me dê para comprar o meu almoço?”
Eu digo-lhe que não tenho dinheiro, que a vida esta difícil para todos e que ele vá chatear outro…
Vou para o centro, as pessoas querem sempre ir para o centro. Porque é que as pessoas querem sempre ir para o centro? No centro sinto que não pertenço a lado nenhum.
No fim do dia, na estação terminal do centro, o frio gela-me os ossos e eu entro no comboio. O comboio chega ao subúrbio. Saio do comboio e oiço o comboio a partir como uma veia que leva o sangue a todas as casas destes pulmões podres. Subo a rua que dava para minha casa. Faz muito tempo que eu não pensava nisto tudo.
Foi no meio destas recordações, destas entranhas que o tempo parou. Volto a olhar para o céu e recordo o tempo em que eu tinha vontade, o tempo em que eu era espontâneo, o tempo em que tinha convicções, o tempo em que era virgem, o tempo em que eu era um mensageiro do belo em terra de feios.