não gosto de acordar na incerteza
para a contagem decrescente ou crescente.
As ambulâncias já vêm a caminho
com as sirenes a anunciarem um desastre
que me amarrará à cama
em silêncio devoto
e com o sentimento a furar os lençóis, a suar pelos braços,
pelo peito, pela barriga
Quando comer nem vou conseguir mastigar nem saborear
de tão ferida que está a minha língua, a minha garganta
arrebentada pelas explosões, o meu maxilar
deslocado pelo vento
em crise nas ruas vazias.
Quero que o vazio se penetre
nos teus cabelos e te arranque as raízes do cérebro
até os olhos serem apenas duas órbitas em flutuação permanente
Para que o vazio seja tanto que não haja espaço
para o sonho, para o pesadelo. Só o vazio
na sua contemplação oca onde não há esferas nem
quadrados com ângulos nem gemido
apenas um furo onde o
fim é sempre o início,
o iníco sem chão nem
escadas para subir ou descer
Apenas a morte
a morte parada a preencher todos os lugares
a morte para a próxima passagem
onde a dor é tanta que o coração bate mais para saltar do peito
Dá-me um beijo de boa noite
para poder adormecer
domingo, outubro 22, 2006
sexta-feira, outubro 20, 2006
O meu Guerra clandestino
Às vezes, sou guerreiro fugido do campo de batalha para me render, no campo, à árvore grande, espada de osso contra espada de madeira. Fico aliviada daquele som de bomba, da pólvora espalhada nos rostos dos atiradores e do cheiro a agonia.
Por outro lado, sinto que a Guerra é só minha, aquelas são as minhas estratégias e eu sou o comandante passado a ferro. Mas, afinal, nada me pertence. Só o meu coração, semeado, lavrado, colhido, comido nas trincheiras de Guerra.
Os pelotões avançam até ao fim da linha, mas o inimigo já partiu. Já se sente a saudade da paz, dos passos até à cafetaria para tomar qualquer coisa que se assemelhe com o doce.
Eu. Chamo-me Joana. E Guerra. E amor. Sou isto e mais coisas como as coisas que nâo têm nome. Nesta Guerra, sinto a dádiva da loucura a invadir-me o corpo, a queimar-me o anti corpo. Quem sou eu? Eu sei. O que sou eu? Não sei: mesa de cabeceira, bicho do mato, transe de passagem? Sou Guerra. Sou Guerra. Não consigo medir a densidade, mas sinto-me densa como badalo de sino a chocar no metal. Não consigo medi-la nos meus pulsos nem vê-la na minha barriga, mas sinto os pesos de nuvem.
Acordei e tinha um homem ao meu lado. Era um soldado a esvaír-se em sangue. O seu camuflado era agora um invólucro a chupar sangue. “De que te valeu essa luta?”, perguntei-lhe. “Eu ainda estou vivo. Ainda hei-de lutar mais”. “Não. Estás enganado. Tu já morreste há muito tempo. Dentro de mim”.
Por outro lado, sinto que a Guerra é só minha, aquelas são as minhas estratégias e eu sou o comandante passado a ferro. Mas, afinal, nada me pertence. Só o meu coração, semeado, lavrado, colhido, comido nas trincheiras de Guerra.
Os pelotões avançam até ao fim da linha, mas o inimigo já partiu. Já se sente a saudade da paz, dos passos até à cafetaria para tomar qualquer coisa que se assemelhe com o doce.
Eu. Chamo-me Joana. E Guerra. E amor. Sou isto e mais coisas como as coisas que nâo têm nome. Nesta Guerra, sinto a dádiva da loucura a invadir-me o corpo, a queimar-me o anti corpo. Quem sou eu? Eu sei. O que sou eu? Não sei: mesa de cabeceira, bicho do mato, transe de passagem? Sou Guerra. Sou Guerra. Não consigo medir a densidade, mas sinto-me densa como badalo de sino a chocar no metal. Não consigo medi-la nos meus pulsos nem vê-la na minha barriga, mas sinto os pesos de nuvem.
Acordei e tinha um homem ao meu lado. Era um soldado a esvaír-se em sangue. O seu camuflado era agora um invólucro a chupar sangue. “De que te valeu essa luta?”, perguntei-lhe. “Eu ainda estou vivo. Ainda hei-de lutar mais”. “Não. Estás enganado. Tu já morreste há muito tempo. Dentro de mim”.
quarta-feira, outubro 18, 2006
?
Não me apetece mais nada. Não me apetece mais ninguém. Só tu me apeteces.
Era tão bom que viesses em caixas de bombom para comer-te aos poucos: deixar que o chocolate derretesse lentamente na boca num prazer lento afundado na poltrona.
Era tão bom que fosses lápis para escrever-te nas paredes de minha casa, no meu corpo, sem vírgulas nem pontos final.
Era tão bom que fosses reticências para prolongarmos o que quisessemos, aquilo que não tivesse significado exacto e que não dissesse nada aos outros. Só nosso.
Era tão bom que fosses o botão da minha camisa para desapertar-te quando me apetecesse e dar-te a liberdade do ar a passar entre as linhas cosidas.
Era tão bom que fosses corda de violoncelo para exercitar-te, fazer música de ti, fazer amor musical contigo e acariciar-te num dó vibrado.
Era tão bom se fôssemos simples de amar.
Era tão bom que viesses em caixas de bombom para comer-te aos poucos: deixar que o chocolate derretesse lentamente na boca num prazer lento afundado na poltrona.
Era tão bom que fosses lápis para escrever-te nas paredes de minha casa, no meu corpo, sem vírgulas nem pontos final.
Era tão bom que fosses reticências para prolongarmos o que quisessemos, aquilo que não tivesse significado exacto e que não dissesse nada aos outros. Só nosso.
Era tão bom que fosses o botão da minha camisa para desapertar-te quando me apetecesse e dar-te a liberdade do ar a passar entre as linhas cosidas.
Era tão bom que fosses corda de violoncelo para exercitar-te, fazer música de ti, fazer amor musical contigo e acariciar-te num dó vibrado.
Era tão bom se fôssemos simples de amar.
domingo, outubro 15, 2006
quinta-feira, outubro 12, 2006
As ruas são os meus papéis de lustro coloridos e aguarentos em que passeio as minhas saias e esvoaço na suas rodas vivas de movimentos dançantes. Nas ruas encontro o meu ser espalhado nos livros, nos reflexos dos vidros, nas montras garridas e nos tecidos aveludados, nas músicas sem música, mas com dó e piedade. Na matéria desabafo-me. Ao encontrar-te, meu anjo, sei que fui bruta, mas estava assim, amarga e dura.
quarta-feira, outubro 11, 2006
A CURA
Porque é que tenho baratas na cabeça? Elas não deveriam estar aqui. Elas deveriam estar na cave ou a passear por cima do falecido vizinho. Mas elas estão aqui, na minha cabeça, a sugarem-me pedaços de cérebro, como se eu fosse o seu caixote de estimação. Sinto as patas a andarem, a pararem, a moverem-se como se houvesse muito sítio para onde ir na minha cabeça. Já as apanhei nos meus pensamentos, nas minhas memórias.
Já tenho baratas nos olhos. Às vezes, deixo de ver porque uma barata resolveu vir espreitar. Deixei de conduzir, mas, agora, posso beber mais. Pedi a um amigo para me espezinhar a cabeça, para matar essas filhas da puta insensíveis. Porquê a minha cabeça quando há aí tanto cabrão? O meu cabelo está diferente, claro que está. As baratas estão na minha cabeça e o cabelo cresce aí. Agora tenho cabelo preto como corvo ou como BARATA. Pintaste o cabelo? Não, já disse que não foda-se! Tenho baratas em mim. Elas violaram-me, eu sei que sim. Não, não foi um sonho, foi uma tortura, baratas gigantes, com mil patas cada uma, com olhos de sangue e antenas.
Apanhei um táxi porque chovia e já tinha as calças molhadas até aos joelhos. Apanhei um daqueles táxis da Avenida Principal que dá para todo o lado e todo o lado vai lá dar. Apanhei o táxi e cheirava a mofo, humidade, coisa estranha. O taxista, bigodeiro, porreiro, abafava com a mão qualquer coisa ao seu lado. Espreitei do banco de trás. Era uma cabeça. Cabeça feminina, lábios vermelhos, grandes brincos prateados e uma pastilha elástica na boca. Cheirava a mentol, era isso. De mofo a mentol. Perguntei-lhe que fazia ali aquela cabeça. Respondeu-me que barafustara com o preço que tinha a pagar e ele não foi de maneiras e zás cortou-lhe a cabeça. Eu disse-lhe que havia pessoas que não sabiam pagar por aquilo que usufruem. É que sabia que aquilo ia dar uma trabalheira ao homem para limpar, então, apaziguei-lhe a mente dizendo-lhe que ele fez o que tinha a fazer. Mesmo em crise os táxis são táxis. São pretos e verdes ou amarelos. Prefiro os pretos e verdes. Bem, ali estava a cabeça e ainda resmungava. Impressionante. Chata do caraças. Se fosse eu, já a tinha dado aos miúdos para eles jogarem à bola.
Queria livrar-me das baratas. Então, fui até ao Cais do Sodré. Pensei: “Aqui há muita gente com doenças, mais barata menos barata não lhes deve fazer diferença”. Já me tinham dito que era assim que se fazia. Espetei-me por um bar adentro. Pedi um shot. Outro. Outro. Outro. Outro Já nem sabia a quantas ia, com quem falava mas acho que falava com alguém e que arrebentei contra o balcão e vi sangue e dentes e cabelos. Arrebentei contra garrafas, peguei noutras, esbofeteei gajas que se metiam em cima de mim, esfolei as bochechas de uma boneca loira, andei à porrada vezes e vezes na mesma noite e já ninguém me apalpava, rasguei e dancei em cima de mesas partidas com bêbados a cuspiram e a vomitarem o alcoól do almoço, do lanche e do jantar! Lixei a minha cara e fiquei uma merda, merda durante duas semanas. Numa noite, não fui mulher, não fui homem, fui BARATA. Adeus amigas!
Já tenho baratas nos olhos. Às vezes, deixo de ver porque uma barata resolveu vir espreitar. Deixei de conduzir, mas, agora, posso beber mais. Pedi a um amigo para me espezinhar a cabeça, para matar essas filhas da puta insensíveis. Porquê a minha cabeça quando há aí tanto cabrão? O meu cabelo está diferente, claro que está. As baratas estão na minha cabeça e o cabelo cresce aí. Agora tenho cabelo preto como corvo ou como BARATA. Pintaste o cabelo? Não, já disse que não foda-se! Tenho baratas em mim. Elas violaram-me, eu sei que sim. Não, não foi um sonho, foi uma tortura, baratas gigantes, com mil patas cada uma, com olhos de sangue e antenas.
Apanhei um táxi porque chovia e já tinha as calças molhadas até aos joelhos. Apanhei um daqueles táxis da Avenida Principal que dá para todo o lado e todo o lado vai lá dar. Apanhei o táxi e cheirava a mofo, humidade, coisa estranha. O taxista, bigodeiro, porreiro, abafava com a mão qualquer coisa ao seu lado. Espreitei do banco de trás. Era uma cabeça. Cabeça feminina, lábios vermelhos, grandes brincos prateados e uma pastilha elástica na boca. Cheirava a mentol, era isso. De mofo a mentol. Perguntei-lhe que fazia ali aquela cabeça. Respondeu-me que barafustara com o preço que tinha a pagar e ele não foi de maneiras e zás cortou-lhe a cabeça. Eu disse-lhe que havia pessoas que não sabiam pagar por aquilo que usufruem. É que sabia que aquilo ia dar uma trabalheira ao homem para limpar, então, apaziguei-lhe a mente dizendo-lhe que ele fez o que tinha a fazer. Mesmo em crise os táxis são táxis. São pretos e verdes ou amarelos. Prefiro os pretos e verdes. Bem, ali estava a cabeça e ainda resmungava. Impressionante. Chata do caraças. Se fosse eu, já a tinha dado aos miúdos para eles jogarem à bola.
Queria livrar-me das baratas. Então, fui até ao Cais do Sodré. Pensei: “Aqui há muita gente com doenças, mais barata menos barata não lhes deve fazer diferença”. Já me tinham dito que era assim que se fazia. Espetei-me por um bar adentro. Pedi um shot. Outro. Outro. Outro. Outro Já nem sabia a quantas ia, com quem falava mas acho que falava com alguém e que arrebentei contra o balcão e vi sangue e dentes e cabelos. Arrebentei contra garrafas, peguei noutras, esbofeteei gajas que se metiam em cima de mim, esfolei as bochechas de uma boneca loira, andei à porrada vezes e vezes na mesma noite e já ninguém me apalpava, rasguei e dancei em cima de mesas partidas com bêbados a cuspiram e a vomitarem o alcoól do almoço, do lanche e do jantar! Lixei a minha cara e fiquei uma merda, merda durante duas semanas. Numa noite, não fui mulher, não fui homem, fui BARATA. Adeus amigas!
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