quarta-feira, novembro 29, 2006

mãos começadas.

Foto de Carlos Ramos

"Não, vão a pé, vão a pé que lhes faz bem, como outro homem qualquer..."

Rui Mário.

quarta-feira, novembro 22, 2006

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De todos aqueles gestos que davam signos e daquelas frases de amor em corpo de ódio fingido, só uma ficou cá bem no fundo. Nessa frase dizias: "...para sempre!". E eu acreditei... em corpo de ódio.

domingo, novembro 19, 2006

Aquilo que podia muito bem ser.

Peguei no pincel embriagado de acrílico, aquele instrumento era o prolongamento de uma mão sem habilidades, tosca e sem vigor. De todas as coisas que tinha visto naquele dia, o que mais me impressionou foi aquele menino do documentário com a espingarda na mão.
Olhei para o papel grosso que estava na parede, e destas minhas mãos crescidas sairam meninos pretos de África com carrinhos de rolamentos e trotinetas nas mãos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Violoncelo

O meu violoncelo tem o pranto que me pertence. O meu violoncelo tem as torrentes de amores e pássaros desonrientados. Mesmo sem cordas, o meu violoncelo continua a ranger a dor na madeira. E, cada corda, é açucar a jorrar da fonte. O meu violoncelo tem saudades de mim, toca por mim quando não me consigo levantar do chão e dá-me uma sonata de presente.
Não precisas falar de ti porque hoje vi-te a tocar. Transpiravas que nem a pele dourada de cavalo sobre o campo, desenfreado e selvagem. Murmuravas uma respiração tão silenciosa como a pausa da tua música. Ouvi-te, ouvi as tuas mãos, os teus dedos, os teus pulsos. Ouvi o grito a sair do teu estômago e a amarrar-se nas tuas cordas vocais até sufocar. O que ouvi foi lindo. Fixei-me na cadeira e voei até junto de ti. Irrompi nas tuas notas como véu ao vento, como liberdade total para estar onde quisesse. Viajámos juntas até onde a imaginação não criara ainda uma imagem.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Só porque não falava de amor há muito tempo.

" - De que é que trata?
- Do amor.
Perante a resposta do velho, o outro aproximou-se com renovado interesse.
- Não me lixes. Com fêmeas ricas, das que fervem?
O velho fechou o livro num repente fazendo tremer a chama do candeeiro.
- Não. Trata-se de outro amor. Do que dói."

Luis Sepúlveda in O velho que lia romances de amor

sábado, novembro 04, 2006

Texto de transbordação psicológica.

Em caixa preta, de tábuas de madeira pintadas de preto. Uma luz fraca ilumina a plateia de cadeiras vermelhas. Um movimento que diz já estar farto de esperar, outro que crê num único Deus. Parcelas para dentro, outras para fora.
Todos os elementos nascem de saturação, de transbordação, de tudo aquilo que os olhos já não conseguem guardar. Deitei-me só mais uma vez naquele chão pintado, só para sentir o rasto de cheiro que as tábuas iam deixando. As vozes desencontram-se afinadas. O senhor do cabelo pequeno brinca com a menina dos olhos grandes. Mutação completa de anjos em diabos, e de grandes em médios e pequenos.
A coisa acende-se, ilumina-se, prontifica-se. Ninguém separa esta unidade.